Paulo Mello, o 'não muito bom aluno' que se tornou no maior produtor de ostras em Portugal

Chegou a Portugal em 1989 para jogar voleibol. Mas o sonho de fazer uma licenciatura não o largou até ter ingressado na Licenciatura em Ciências do Meio Aquático, no ICBAS, em 1990. Um caminho onde o desporto de alta competição e a exigência de um curso verdadeiramente transversal andaram sempre lado a lado. Paulo Mello é o testemunho vivo de que com disciplina e ‘alguma sorte’ se pode chegar longe. Embarcamos nesta viagem por um dos viveiros de ostras mais importantes do país?

O Paulo é do Brasil. Como e quando chega a Portugal e com que propósito?

Vim para Portugal em 1989 para jogar voleibol. Eu era jogador profissional e tive uma oportunidade de vir para cá nesse âmbito. Vim jogar, mas sempre com o sonho de entrar na faculdade. Como gostava muito da parte de biologia, de animais aquáticos, conheci o curso de CMA, que era muito voltado para a produção aquática, e acabei por concorrer e por entrar. O que, inicialmente, foi foi um choque, porque já não estudava há 4 anos e nunca tinha sido um aluno brilhante. Mas lá acabei por conseguir entrar, estávamos em 1990, mais coisa menos coisa.

E como foram esses anos no ICBAS e em CMA?

Exigentes. Eu estudei sempre enquanto jogador de voleibol profissional, isto num curso muito difícil e muito exigente. Só com muito esforço foi possível concluir. Por exemplo eu ia jogar fora e aproveitava todos os tempos livres para estudar, fosse nos intervalos dos treinos, fosse no avião. Eu amava o voleibol, não era questão desistir disso, mas também queria muito terminar o curso, ou seja. também não era assunto não o concluir. Por isso a minha estratégia passou sempre por ser muito focado e por estabelecer objetivos. Por tudo isto e porque também não tinha uma preparação ótima, demorei 8 anos a terminar. O que não foi impeditivo de organizar a minha vida.

Como é que começa este negócio de produção de ostras?

Terminei o curso em 1998/99, e na altura tinha algumas pessoas conhecidas ligadas a esta zona e à produção de ostras. Para além disso, das minhas convicções fazia parte a ideia clara de que a aquacultura era e é o futuro, correspondendo a uma alternativa bastante sustentável na área da produção da proteína… Portanto, para mim isto era uma alternativa. Em 99/2000 apareceu a oportunidade de pegar neste projeto e não tive dúvidas.

Continuei a jogar voleibol profissional, que era o que me dava sustento, porque no início produzíamos muito pouco, 7/8 toneladas por ano. Precisamente pela produção ser tão baixa, eu acabei por ter a necessidade de procurar alternativas para fazer crescer o negócio. Assim, uma das coisas que fiz nesses primeiros tempos, foi comercializar bivalves, que comprava aos pescadores e vendia, sendo o dinheiro que ganhava canalizado para investir na empresa. A dada altura direcionei a minha produção para a venda das crias de ostras, uma vez que não tínhamos saída para a ostra grande. Com alguma sorte à mistura, este investimento acabou por correr muito bem.  

Como era o mercado das ostras nessa época?

Era muito fraco, não se comercializavam ostras a nível nacional, havia uma pequena depuradora que consumia pouco, o excedente vendíamos para França, a muito baixo custo… por isso é que eu investi nas crias. Depois, houve uma altura em que a produção começou a regularizar, começaram a aparecer alguns franceses interessados na compra, os preços começaram a subir e isso fez com que a produção se equilibrasse. Mas este negócio é sempre um grande desafio porque os ciclos são muito grandes, todos os anos são diferentes: ou a mortalidade aumenta, ou há uma procura excessiva… Enfim o crescimento não é uniforme, pelo que todos os anos temos que nos reinventar.

Passou de um estudante sem grandes expetativas, para um empresário… O que é que uma área (académica) dá à outra (empresarial)? Ou seja, o que é que visão mais técnica, mais especializada cientificamente, lhe permitiu enquanto empresário?

O curso em Ciências do Meio Aquática foi sem dúvida uma mais valia. Primeiro, não fecha portas, depois garante-nos um conhecimento bastante vasto da biologia e dá-nos as ferramentas e capacidade necessárias para podermos raciocinar de forma clara, pensar em alternativas aos problemas de uma forma mais metódica e isso, da minha perspetiva, é muito importante. O curso na minha época tinha uma base muito grande de biologia humana, uma parte prática bastante próxima da realidade e tudo isso deu-me uma visão abrangente da realidade, o que foi e é muito útil para contornar problemas.

Para além disso, mais que ver com a minha personalidade, eu sou como uma esponja, absorvo tudo o que me dizem e a este respeito, lembro-me de uma frase do professor Emídio Gomes no final de uma aula: “todos os contactos são importantes, mesmo que não pareça”. E isso fez-me guardar todos os cartões que me dão, desde o primeiro dia. Hoje podem não servir, mas amanhã podem ser muito úteis. E a verdade é que este ‘ensinamento’ se tem revelado essencial ao longo da minha vida, e apreendi-o no ICBAS, em CMA.


"O curso em Ciências do Meio Aquática foi sem dúvida uma mais valia. Primeiro, não fecha portas, depois garante-nos um conhecimento bastante vasto da biologia. Dá-nos ferramentas e capacidade para raciocinarmos de forma clara, pensar em alternativas aos problemas de uma forma mais metódica e isso, da minha perspetiva, é muito importante."

Qual a característica mais importante que se deve ter num negócio como este? E qual a mensagem para os mais novos estudantes de CMA?

Eu acho que as oportunidades e a sorte se procuram. Eu vim para aqui, não tinha nada, rendimento nenhum, sempre joguei voleibol, sempre conciliei as duas coisas e por isso para mim o mais importante neste negócio é saber procurar alternativas. E isso é também um conselho precioso para os mais jovens: não fiquem à espera as coisas aconteçam. Às vezes um contacto que não tinha significado nenhum, abre uma janela que pode mudar o rumo do futuro para melhor. Por isso estejam atentos. Para além disso, outra coisa para mim fundamental é a humildade. É muito importante que os jovens não se achem donos da verdade, que saibam ouvir e aprender com os mais velhos e mais experientes. Por exemplo, neste negócio, não se vai inventar a roda, ou seja, existe produção de ostras desde 1800, não há grande inovação possível nesta zona. Por isso a melhor invenção e estratégia para crescer é ouvir os mais experientes e conhecedores.

Por onde passa o futuro?

Tenho estrutura para produzir cerca de 250 toneladas por ano, mas como já referi todos os anos são diferentes, por exemplo houve um ano em que produzi 200 toneladas, no ano seguinte já só produzir 60, depois 80. Enfim, há muitas oscilações e chegar às 250 toneladas ano seria o patamar máximo ideal, mas muito difícil. Para além de que encontrar mão de obra que queria fazer um trabalho tão pesado como este é um grande obstáculo à própria produção. Por isso, o que eu gostava para o futuro era de conseguir estabilizar a produção numa média de 200 toneladas ano, aí já teria o sentimento de missão cumprida.

E agora a pergunta para 1 milhão de euros… qual a melhor forma de comer ostras? Essa não é uma pergunta de 1 milhão de euros, é antes uma pergunta muito pessoal, mas para mim, sem dúvida, gratinadas com molho bechamel!


Entrevista e texto de Bárbara do Carmo Silva
Fotografia de Sérgio Vilela